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terça-feira, 6 de julho de 2010

REAJUSTE DE PREÇOS E


LIMITE MÁXIMO DE VIGÊNCIA

(Lei 8.666/93)

João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)





Preocupa-me, desde 1993, a aplicação da Lei das Licitações, de uma forma indiscriminada, a todos os órgãos da Administração Pública lato sensu, posto que, em tese, seja medida que traduza a propagada transparência (algumas palavras e expressões se desgastam com seu emprego repetitivo, que o torna enjoativo).

Há casos e casos, ou, no popular, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Certamente que, ao contratar (no sentido de pagar para obter algo, seja a prestação de um serviço, seja a aquisição de um bem), a entidade estatal precisa atender aos preceitos constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e dos demais estabelecidos no artigo 37, inciso XXI de nossa Lei Maior. Essa a regra geral.

É frase bastante repetida dizer que o legislador é sábio. Entretanto, a pressa desse fim de século tem levado a que as leis sejam, às vezes, açodadamente discutidas e menos sabiamente redigidas, contrariando outras leis, que estão e permanecem em vigor, ou afrontando sua exegese.

Temos um Código Civil, já longevo, mas que ainda dita regras basilares na estrutura jurídica pátria. Ali, estão definidas e descritas as modalidades, os tipos de contratos, que nossa legislação reconhece e abona: compra e venda, doação, empréstimo e locação. Esta, pode ser de bens ou de serviços. Estamos, pois, amarrados ao ditame de nossa legislação.

Verifica-se, assim, haver um erro conceitual, fruto da eventual pobreza vocabular, em relação ao que dispõe a legislação brasileira, quando empregamos a expressão contratação de serviços em seu sentido mais comum, que, na verdade e legalmente (do ponto de vista jurídico), é uma compra e venda de tais bens da vida (os serviços contratados).

Apud nosso Código Civil, serviços dizem respeito, exclusivamente, à locação de mão-de-obra: a energia ou a inteligência humana posta à disposição de quem dela necessite ou se sirva, e se disponha a pagar pela utilização daquela capacidade alheia. Não é outra a razão de haver um Serviço Público: é a prestação dada pelo servidor à sociedade, à coletividade, ao país. Um jurado está prestando serviço; um mesário, idem; um gari, não menos; um policial; um legislador; um juiz; um Ministro; o Presidente.

Juridicamente, não se pode, pois, prestar um serviço de água e esgoto, de eletricidade, de telecomunicações, de transporte público. Dizê-lo é uma impropriedade lingüística. Há, na relação comercial e contratual estabelecida, uma compra e venda (ou uma permuta, doação, empréstimo, qualquer coisa que não locação de serviço).

Feita essa introdução, entro na essência deste texto: retifiquemos o que está torto, corrijamos o que está incorreto, não agravemos o que está mal. Demos o nome adequado e correto ao que, adequada e corretamente, deve ser nominado.

Recentemente, foi baixado, pelo governo federal, um Decreto que gerou muita confusão, muito mal-entendido, muito disse-que-me-disse. Mais recentemente ainda, aludido Decreto foi, em boa hora, substituído por outro de redação mais feliz. Refiro-me aos Decretos de nº. 2.031, de 11/10/96, e ao nº. 2.271, de 07/07/97, que objetivam estimular e implantar, no Serviço Público, a terceirização do que seja terceirizável, em termos de mão-de-obra: a Administração pode, desse modo, deixar de incluir em seus quadros, necessariamente, recursos humanos próprios para o exercício de serviços como os de vigilância, asseio, conservação e muitos outros mais. Deixam de ser requeridos ocupantes de cargos públicos como agente de portaria, contínuo, servente, zelador, motorista, agente de telecomunicações, operador de máquinas, teletipista, telefonista e outros que tais.

Eis um belo exemplo do emprego adequado e correto da terminologia legal. Por confundirem contratação de serviço/mão-de-obra com contratação de serviço/compra e venda de serviços, praticamente todos os órgãos públicos, principalmente da Administração Indireta, sentiram-se proibidos de reajustar os preços destes últimos, com base na Resolução nº. 10 do CCE (de 08/10/96), o que a MP hoje nº. 1.620, artigo 2º., permite e autoriza, nos contratos de duração igual ou superior a 12 (doze) meses.

E a meu ver, pela mesma razão, interpretam erradamente o disposto no inciso II do artigo 57 da Lei nº. 8.666/93 (com a redação dada pela Lei nº. 8.883/94, alterada pela MP nº. 1.531, ora às vésperas de sua 15ª. reedição, creio). A “prestação de serviços a serem executados de forma contínua” a que se refere o dispositivo é, exatamente, aquela a que se refere o Decreto nº. 2.271: a recepção, a vigilância, a faxina, a operação de máquinas, .... contratada com firmas provedoras desses serviços.

As concessionárias de serviços públicos de energia, água e esgoto, telefonia, transporte público, serviços postais, gás encanado, etc. não prestam serviços no sentido que a lei dá à palavra serviço. Analogamente, as agências de viagens, contratadas para fornecerem as passagens aéreas, necessárias a atender os deslocamentos dos servidores e empregados da firma contratante, não estão prestando serviços, no sentido legal: estão fornecendo, vendendo, as passagens que seu Cliente compra (ou, intermediando essa compra e venda). O objeto do contrato, seu produto, são as passagens emitidas. Tanto é assim que não faturam a mão-de-obra empregada, mas as passagens fornecidas. E empregam seus recursos humanos sem exclusividade ao contratante (a agência atende, também, ao público: o mesmo empregado que emite um bilhete de passagem para o servidor de uma empresa ou ministério, o faz para o de outra entidade contratante, ou para qualquer um, na loja, em caráter particular. Diferentemente, o empregado designado para a recepção, a vigilância, ou a faxina de um Ministério, Autarquia, Fundação Pública, Empresa Pública, Sociedade de Economia Mista ou Serviço Social Autônomo não está, ao mesmo tempo, prestando serviço a outro contratante).

Analisando, como convém, com a devida profundidade, tem-se, ainda, outra razão para não aplicar o disposto no art. 57, II, da Lei nº. 8.666/93 a todos os contratos: ali está escrito “executados de forma contínua”, isto é, aqueles que são prestados sem descontinuidade, de forma diária, e cuja interrupção ensejaria potenciais prejuízos ou transtornos à entidade contratante, daí por que justificar a exceção à regra geral que é, registre-se, “duração do contrato adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários”.

Parece-me elementar existir uma diferença entre prestação contratual de forma contínua (acima conceituada) e contrato de execução continuada (este, aquele que não é de execução imediata, instantânea, que não se exaure em uma única atividade ou um conjunto bem determinado e limitado de atividades). Estes últimos, os de execução continuada, não estão, obrigatoriamente, incluídos dentre os executados de forma contínua nem devem se confundir com eles, embora, aqui e ali, existam pontos em comum, similitudes, ou medidas aplicáveis indistintamente a um e a outro.

Voltando ao caso do fornecimento de passagens aéreas, pode ocorrer que, em momento de menor demanda, a quantidade de requisições e o conseqüente fornecimento seja menor, como ocorrem instantes de demanda concentrada, de requisições e fornecimento em maior número. A execução continuada está patente em não haver uma prestação igualmente distribuída ao longo da vigência do contrato, que se mede pelo decurso de tempo, e não pelas tarefas executadas, esta uma característica dos contratos de execução contínua.

As contas telefônicas não são de mesmo valor todos os meses, porque a quantidade, o destino e a duração das chamadas variam de um mês para outro. Os consumos de água e energia, da mesma forma, oscilam para mais e para menos. O número de telegramas, de cartas ou de telex é variável. Mas a prestação do serviço de conservação, ou de asseio, ou de vigilância, ou de operação de máquinas, tem sempre, todos os meses, o mesmo valor, função da mão-de-obra alocada, aquele contratual. É evidente a diferença entre um caso e o outro!

Assim sendo, entendo que a Lei nº. 8.666/93, em seu artigo 57, II, não estipula que os contratos de compra e venda, por exemplo, estejam limitados a sessenta meses; este limite somente se aplica aos contratos de prestação de serviços (mão-de-obra) a serem executados de forma contínua (diariamente, em igual quantidade). Aqueles outros, impropriamente chamados de contratos de prestação de serviços (quando são, de direito, contratos de compra e venda), podem ter sua duração estabelecida no Edital de Licitação ou, no rigor textual da Lei, “adstrita à vigência dos correspondentes créditos orçamentários”.

É este o tema trazido à discussão.

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